24 de maio de 2010

Depois do Verbo

     No início era o verbo. Depois apareceram os substantivos, adjetivos, advérbios... E tudo virou um caos infinito. As figuras de linguagem só vieram para piorar a situação: se você diz a alguém o contrário do que quer dizer para que se interprete o contrário do que se diz, isso não é absurdo: é ironia.
     Não é de se admirar que as pessoas não se entendam. A linguagem humana é uma bagunça. Mas não há motivos para pânico: para ajudar as pessoas a se guiarem pelos tortuosos e obscuros caminhos da linguagem, é apresentada abaixo uma breve análise de algumas frases interessantes, principalmente do ponto de vista sociológico.

     Eu sou normal: qualquer pessoa flagrada dizendo “eu sou normal” deve ser instantaneamente declara louca. Ninguém com plena saúde mental tem necessidade de dizer isso. Se alguém tem que dizer que é normal, é porque a sua sanidade mental foi colocada em questão. E isso não costuma acontecer sem motivo. Mas, se, pensando agora, você lembrar que já disse isso, não se preocupe: de louco todo mundo tem um pouco. Conclusão: dizer “eu sou normal” implica em ser louco, o que é normal.

     É a sua palavra contra a minha: deveria existir uma lei específica para tratar dessa frase: “Emenda nº 5: qualquer pessoa que diga ‘é a sua palavra contra a minha’ deve ser automaticamente considerada culpada por quaisquer acusações que lhe estejam sendo imputadas”. Nenhuma pessoa inocente já disse “é a sua palavra contra a minha”. Isso é uma confissão de culpa. É como dizer “você sabe que eu sou culpado; eu sei que eu sou culpado; todo mundo sabe que eu sou culpado. Mas e daí? Você não tem como provar nada”. É interessante notar, também, que a frase tem um sádico efeito psicológico: não só se admite livremente a culpa, como também é possível se deleitar com a impotência do outro.

     Você me acha bonito(a) ou inteligente?: corra. Se alguém lhe perguntar isso, corra sem nem olhar para trás. Não existe jeito no mundo de se responder essa pergunta de forma satisfatória. Vejamos: “Nem bonito(a), nem inteligente” ― essa, com certeza, é a pior de todas as respostas, mas, em geral, é a mais sincera, afinal, alguém que faz essa pergunta deve ter algum tipo de complexo quanto a ser bonito(a) ou inteligente, e deve ter um motivo para isso; “Você é bonito(a)” ― você acabou de dizer que a pessoa burra; “Você é inteligente” ― inversamente, a pessoa é feia; “Você é bonito(a) e inteligente” ― essa resposta parece a melhor, mas, infelizmente, ela nunca é aceita: a pessoa sempre vai fazê-lo(a) escolher uma das opções, levando-o(a) fatalmente a uma das três alternativas anteriores. Pode-se, ainda, tentar mudar convenientemente de assunto: “Você me acha bonito(a) ou inteligente?” “Olha que passarinho bonito!” Inventivo, mas, infelizmente, isso tende a ser interpretado como “nem bonito(a), nem inteligente”. Portanto, se alguém perguntar se é bonito(a) ou inteligente, corra. Por mais estranha que seja a súbita debandada, é melhor do que qualquer resposta.

     Se você for homem...: não é realmente uma frase, mas uma espécie de “prefixo frasal”. O que torna esse início de frase interessante é a sua conclusão. O tamanho do desafio é diretamente proporcional ao tamanho da estupidez proposta: quanto mais idiota a conclusão, mais desafiadora fica a frase, e mais difícil de ignorá-la. Se alguém disser “se você for homem, você ganha o Prêmio Nobel da Paz”, a frase é facilmente ignorada. Mas, se alguém disser “se você for homem, você entra na torcida do Corinthians vestindo o uniforme do Palmeiras”... “Eu sei que é idiota, eu não quero fazer isso, eu não vejo por que fazer isso, eu nem gosto de futebol e eu nem torço para o Palmeiras... Mas, por algum motivo, eu tenho que fazer isso”. É possível, também, encontrar a variante feminina: “se você for mulher...”. No entanto, ela é bem mais rara (e consideravelmente menos poderosa). Desse tipo de frase pode-se tirar uma conclusão: aparentemente, na nossa sociedade, a masculinidade está intimamente ligada à estupidez dos atos. Talvez algum dia a Sociologia possa explicar isso.

     Pior do que isso não pode ficar: não se engane: pode sim. Qualquer pessoa que tenha conhecimentos rudimentares sobre a Lei de Murphy sabe disso: nada é tão ruim que não possa piorar. “Perdi tudo o que tinha na vida. Pior do que isso não pode ficar”. Você pode ficar doente. Você pode morrer. Você pode ir para o inferno. Sua sogra pode estar lá... Sempre pode piorar. Mas isso não é necessariamente um pensamento pessimista. A frase, na verdade, pode ser vista como uma espécie de “carpe diem” disfarçado: aproveite a sua situação atual, pois, por pior que ela seja, amanhã pode estar pior.

3 comentários :

  1. Hahaha!!! Gostei da análise de todas as frases, mas voto na terceira como sendo a melhor, rsrs!! Parabéns!! Branco.

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  2. Hahaha!!! Gostei da análise de todas as frases, mas voto na terceira como sendo a melhor, rsrs!! Parabéns!! [2]

    (Falta de criatividade...hehehe)

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  3. Uma obra prima! Se você for homem, ganha o Prêmio Nobel de Literatura!

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